Que Horas Ela Volta : Crítica


Sem as clássicas sequencias exageradas de palavrões, violência gráfica desnecessária e os comodismos corriqueiros do cinema pátrio, Que horas ela volta corre o risco de levar o título de umas das melhores (se não a melhor) produção nacional.
Tendo recebido por Regina Casé e Camila Márdila o prêmio de melhor interpretação no Festival Sundance, tendo também levado o prêmio de melhor filme do júri popular do Festival de Berlim, Que horas ela volta é uma fina análise critica das querelas de classes sociais.
Longe de sua terra natal, Pernambuco, a nordestina Val, aqui interpretada pela excelente Regina Casé se vê obrigada a trabalhar como doméstica, tendo sua vida pessoal confundida com a profissional e tudo para manter os padrões de sustentabilidade de sua filha, a intrépida e sonhadora Jéssica (Vivida pela também impecável Camila Márdila) a qual ela não vê a 10 anos, mas que de repente liga avisando que está chegando para morar com ela.
Com a direção de Anna Muylaert e o roteiro de Muylaert e Casé, o drama que essa película nacional nos apresenta pode ser descrito como um poema áudio visual descritivo, nada de personagens caricaturados, aqui temos uma Val contida, mais realista e sem os exageros das interpretações globais, onde sempre vemos personagens unilaterais dando os ares cena após cena. Val é nordestina, mas longe de ser retratada com o fervor da perspectiva ‘elitista’ do morador do Morumbi, o que temos aqui é uma mulher forte, honesta, corajosa embora humilde e por vezes ingênua.
Muylaert trabalha muito bem todos os personagens, tomando os devidos cuidados para não cair no default de vilanização do antagonista já recorrente em filmes do gênero, onde é de extrema necessidade que se tenha um vilão/vilã para dar procedimento a trama. O longa trabalha muito bem as diferenças de classe e boa parte disso se deve a perspectiva intimista que ele nos apresenta, onde deixamos de ver a história do ponto de vista popular da coisa e passamos a acompanhar tudo de uma visão discreta, contida e legitimista.
Barbara (interpretada por Karine Teles) nos entrega uma antagonista discreta, sutil e muito compenetrada, palavra que também serve para atuaçãoTeles. Bárbara não é uma vilã, de fato, afinal de contas estamos falando aqui da vida real onde não existem vilões nem heróis, apenas pessoas com seus problemas (em diferentes níveis, sociais ou econômicos) pessoais. Algo que também é muito bem abordado por Muylaert. Se de um lado temos uma família estruturada, onde problemas como saúde e dinheiro não existem, do outro temos conflitos por vezes sentidos pelos meros mortais, onde observamos a gigantesca discrepância comportamentais diante dos fatos da vida.
Val é completamente a antítese de sua filha, que por sua vez representa uma visão mais sóbria da realidade em diversos aspectos. Jessica não tem medo, é forte e corajosa como sua mãe, no entanto não partilha da mesma humildade, por vezes a direção “brinca” com esse contraponto entre as personagens ao mesmo passo que nos apresenta algo completamente diferente na família de ricaços, oras, se entre Val e Jessica falta dinheiro mas esbanjam um relacionamento forte e integro (embora com seus problemas), na família de Bárbara temos problemas bem discrepantes mas ao mesmo tempo não menos importante como a falta de comunicação e a desconstrução dos relacionamentos familiares, onde nos são apresentados os pontos “embaciados” do filme; Carlos (Lourenço Mutarelli) e Fabinho (Michel Joelsas) respectivamente o pai da família, já abatido e ressacado  e o filho que por sua vez é extremamente inseguro e mimado.
Por fim, Que Horas Ela Volta não é só mais um filme de drama muito bem construído, é de fato, também um excelente trabalho nacional que merece destaque, não só no território nacional, mas em qualquer lugar onde verdadeiras obras de arte são apreciadas.