Sense 8 : Crítica

Depois de conferir todas as séries da Netflix, êis que dou de cara com uma tal de Sense 8 a qual já havia ouvido falar antes, mas que não havia me despertado nenhum interesse. Fui então dar uma conferida na produção e o resultado, bem, você fica sabendo agora (Caso queira ir direito ao ponto, vá para o final da análise).

A trama
A série possui um plot interessantíssimo, de fato, algo que dificilmente poderia ser desenvolvido com qualquer outro ritmo que não fosse o que a série adotou, ritmo esse que foi motivo de reclamações para alguns, mas que embora lento não atrapalha em nada o desenvolvimento do roteiro.
Embora seja classificada como drama, fantasia e ficção cientifica, a série não se limita a essas definições e flerta com outros gêneros em vários de seus aspectos. Temos o drama de alguns personagens, mas também temos alívio cômico, ação, suspense e tudo isso se passando com a ficção cientifica como um plano de fundo.
Na trama um grupo de 8 jovens acabam tendo um tipo de ligação extra sensorial entre si, eles podem se comunicar através dessa ligação e até transportar sua consciência um para o corpo do outro. De início nenhum deles entende direito o que está havendo, mas no decorrer da série as peças vão se encaixando e tanto os personagens quanto o espectador vão entendendo melhor do que tudo se trata.
Um dos maiores pontos da série é usar a ficção cientifica para trabalhar as relações humanas, descontruindo conceitos e mexendo com tabus da sociedade, aliás algo feito divinamente pelos Wachowski, portanto já fica aqui a dica, se você defende o conceito de ‘família tradicional’ e ‘bons costumes’, passe longe da série pois você não é o público alvo da mesma.

A direção
Dirigida pelos irmãos Wachowski, que você já deve conhecer da trilogia The Matrix, a série não esconde o trabalho autoral da dupla, aliás, algo que se estende mais do que na construção de cenas, mas também nos personagens, exemplo disso é  Nomi, a personagem transexual que é claramente uma referência a Lana Wachowski, uma personagem muito bem construída e que nos traz muitas discussões sobre não só a transexualidade, mas também identidade de gênero e muito mais.

Os personagens
Como dito antes, Sense 8 é verdadeiramente uma série sobre relações humanas, ficando a ficção cientifica ali apenas como plano de fundo para o desenvolvimento da história. Sendo assim, o que melhor para falar sobre relações do que aprofundando bem os conflitos humanos dos personagens apresentados?

Interpretado pelo americano Brian J. Smith (Stargate Universe) Will Gorski é um policial que atua em Chicago nos Estados Unidos.
Will é um cara solitário e que parece tentar se livrar de uma estigma subversivo do passado, ao passo que vemos seu resforço para fortalecer seu relacionamento com o pai, interpretado pelo nosso querido Joe Pantoliano (o Cipher de The Matrix).
Quando começa a ter as conexões com os outros 7 senses, Will desenvolve um forte vínculo com Riley o que nos proporciona alguns cenas cômicas como Will beijando o “nada” enquanto é observado por seu parceiro policial.



Riley Blue
Riley é uma das personagens mais complexas da série e talvez que tenha sido a mais bem aprofundada.  Interpretada pela britânica Tuppence Middleton (de Spies of Warsaw), a garota é uma DJ nascida na Islândia mas que atua em Londres e tenta se livrar de certos traumas do passado, traumas esses que nós entenderemos no decorrer da série.
A medida que seu drama é explorado, vemos também uma crescente em seu relacionamento com Will e a maneira como os laços quase transcendentais entre ambos os torna mais fortes.


Capheus Van Damnne
O britânico Aml Ameen vive o Queniano Capheus. O rapaz é um Motorista de van em Nairóbi, super fã do Jean Claude Van Damme, ele trava uma luta muito difícil para manter sua mãe viva, que é soropositivo. Com as dificuldades financeiras limitando suas possibilidades, Capheus vive intensamente difíceis situações que teimam em testar seu código de honra e sua moral, mas ainda assim ele se mantém firme em suas convicções. De fato, um dos melhores personagens da série.





 Sun Bak
Mais Badass do que nunca, a sul coreana Doona Bae dá vida a Sun Bak (também coreana), especialista em artes marciais que vive um drama de infância.
Sun tem dificuldades em aceitar a perda mãe (que faleceu quando ela ainda era criança) pois vê nela a única figura realmente fraternal que já teve. Vivendo sob as pressões de um mundo extremamente machista e preconceituoso, Sun acabou se tornando uma mulher bastante Introspectiva desenvolvendo um angustiante conflito interno entre quem é e quem deveria ser, buscando através da luta descarregar toda sua fúria e sofrimento ao ponto que sua relação com os demais personagens se fortalece cada vez mais.

Lito Rodriguez
Lito é o alívio cômico da série, boa parte das cenas de comédia acontecem a partir de sua interação com o resto dos personagens. Interpretado pelo também espanhol Miguel Ángel Silvestre (da série Velvet), Lito é um galã de novelas (tipo aqueles dramalhões mexicanos), o que também nos rende excelentes cenas de comédia. Porém nem tudo são flores na vida do personagem, Lito vive um drama também muito sério que se trata de sua homossexualidade, a qual ele tenta manter em segredo sob qualquer preço.
A série desenvolve muito bem seu relacionamento com Hernando (Alfonso Herrera da extinta Rebelde), ao ponto de descontruir o personagem abordando vários de seus conflitos internos, algo espetacular, sem falar que ainda temos a belíssima Erendira Ibarra dando vida a Daniela Velasquez (Meu deus do céu, essa mulher me mata) que também tem um importante papel no desenvolvimento do personagem.

Nomi Marks
Possivelmente a personagem de mais destaque na série não só por trazer um mote tão recorrente na sociedade atual, mas também por trabalhar todas as questões envolvidas de maneira delicada e poética.
Nomi é uma transexual que assume um romance aberto com Amanita (A britânica Freema Agyeman, de Doctor Who), dessa forma a personagem acaba bugando o cérebro dos preconceituosos de plantão, pois ela é uma transexual que não só enfrenta o preconceito por ser uma mulher trans, mas também por seu relacionamento homossexual com Amanita, levando-as a enfrentar preconceitos até mesmo dentro da comunidade LGBT.
Além de possivelmente ser uma referência clara a Lana Wachowski(Também uma mulher trans), Nomi é interpretada também por uma transexual, a atriz Jamie Clayton (da série Hung) que aliás está muito à vontade no papel. Morando juntas em São Francisco, Nomi e Amanita se envolvem numa teia de eventos que acaba nos mostrando um pouco mais do passado de Nomi, como o fato de ela ser uma hacker de alto nível, algo que acaba a levando a ser a primeira dos oito a ter contato (indiretamente) com Sussurros (Terrence Mann), o grande vilão da série.

Wolfgang Bogdanow
Aqui temos mais um núcleo de ação da série, Wolfgang é um arrombador de cofres badass que vive conflitos familiares extremos. Criado praticamente sem um figura paternal, o alemão acaba se vendo em meio a um confronto de egos e arrogância ainda maior quando se mete a desafiar o crime organizado em Berlim.
O personagem é interpretado pelo alemão Max Riemelt (A Onda, Um Amor Além do Muro, Queda Livre) e tem uma conexão muito forte com a indiana Kala Rasal.




Kala Rasal
O drama de Kala é talvez o mais comum (dentro da estrutura social em que ela vive), porém não menos complexo.
Nascida e criada sob a cultura e os dogmas indianos, Kala é interpretada pela indiana Tina Desai, a personagem é uma hinduísta que vive em Mumbai e trabalha como farmacêutica, a garota vive um momento difícil de sua vida onde ela se vê prestes a se casar com um rapaz rico mas que mal conhece, isso não seria um problema para algumas mulheres, mas para Kala é algo que simplesmente não faz sentido. A garota acaba desenvolvendo uma conexão muito forte com Wolfgang, que também desenvolve um forte sentimento por ela. Ambos também são responsáveis por algumas das cenas mais engraçadas da série.

Vale a Pena?
Bem, como eu citei ainda no início da análise, se você é um conservador que apoia a famigerada “família tradicional” e os “bons costumes”, então passe longe da série, ou não, fica por sua conta.
Sense 8 é uma série sensacional, não apenas por ser um Scifi (todos sabem que sou fã de Scifi), mas por usar justamente isso apenas como plano de fundo para contar uma história sobre relações entre pessoas, algo que é feito dignamente pela produção.
A série traz personagens diversificados interagindo entre si e ainda assim desenvolvendo-os individualmente cada um dentro do seu próprio núcleo. São inúmeros dramas, conflitos e traumas exploradas minuciosamente pelos Wachowski, tudo ao mesmo tempo que vemos o desenvolvimento de sensações, emoções e um amontoado de outros sentimentos que são inerentes a nossa existência.
Não há uma palavra especifica para descrever o trabalho da direção, o que posso dizer é que Sense 8 é uma obra com teor puramente poético em sua essência.
Vale muito dar uma conferida.