Capitão Fantástico – Crítica

Um amalgama de Pequena Miss Sunshine (2006), A Vida Secreta de Walter Mitty (2013) e Na Natureza Selvagem (2007), Capitão Fantástico (Captain Fantastic) consegue ser uma obra indie complexa e intrigante ao mesmo tempo que é simples e sútil.
Dirigido pelo ator e roteirista Matt Ross (Que já atuou em filmes como A Outra Face e Os 12 Macacos), a trama do longa gira em torno do Ben Cash (Viggo Mortensen), que vive com seus 6 filhos longe da civilização, onde eles os ensina (de forma incisiva) técnicas de sobrevivência e a total desconstrução de conceitos sociais, políticos e religiosos.
O estilo de vida de Ben e seus filhos; Bo (GeorgeKay) , Rellian (Nicholas Hamilton), Vespyr (Annalise Basso), Kielyr (Samantha Isler), Zaja (Shree Crooks) e Nai Cash (Charlie Shotwell) é interrompido por uma trágica notícia que os leva a viajar para a cidade, onde teremos o choque cultural e ideológico o qual o filme se propõe tratar, é ai que somos apresentados a mais um Road Movie, só que mais que isso, o filme aborda intrínsecas questões sociais ideológicas, tratando de motes políticos e até religiosos de maneira sutil e cuidadosa.
Ben vive sob um aspecto de total desconstrução de padrões, para ele nenhum conceito é inerente à realidade e tudo depende da perspectiva do observador. Como já diria Chomsky, a quem Ben tanto admira; “Não se pode controlar o próprio povo pela força, mas se pode distraí-lo com consumismo”, e é assim, na contramão dos supérfluos valores de uma sociedade urbanizada que ele cria seus filhos ensinando conceitos políticos e filosóficos que visam a absoluta liberdade de pensamento e de vida, como a negação ao consumismo, o combate a qualquer ideologia totalitária e a aversão a todo regime excludente como os sistemas de ideias de cunho fascistas tão em ascensão nos dias atuais.
O comportamento de Ben é algo assustador para aqueles que ele considera ‘presos no sistema’, pois do seu ponto de vista, todos são escravos de um mundo consumista e medíocre, com valores superficiais e totalmente alheios a suas próprias condições de existência, algo feito com primor pela direção de Ross, que nos dá dicas sutis dos eventos e de como tudo isso é estabelecido sem parecer algo clichê ou planfetário, muito pelo contrário, tudo aqui soa bem natural salvo as devidas licenças poéticas concedidas dentro dessa obra de arte.
Ao mesmo passo que as crianças e o próprio Ben são desenvolvidos, Ross usa de metalinguagem para nos mostrar mais pontos da trama que talvez estejamos ignorando. Enquanto todo o primeiro ato nos apresenta os benefícios de um estilo de vida filosoficamente desligado de valores materiais e puramente baseado em princípios intelectuais, em um dado momento, enquanto debate sobre o livro Lolita com sua filha, temos o claro uso de metalinguagem onde Ross nos aponta o dedo e nos afirma que talvez só estejamos concordando integralmente com Ben porque estamos vendo a trama do seu ponto de vista. Logo em seguida temos os conflitos entre Ben e seus sogro Jack (Frank Langella), que por sua vez nos apresenta argumentos que vão descontruir muito daquilo edificado no primeiro ato, afinal de contas; criar crianças sob um regime de treino psicológico e físico tão pesado não seria algo abusivo? É nesse ponto que o diretor nos pega no ‘pulo do gato’, pois segundos antes estávamos achando tudo aquilo lindo e maravilhoso.
A interpretação de Mortensen está excelente, Ben não é um personagem simples, muito pelo contrário, é complexo, denso e cheio de nuances. O que deixa o resultado final ainda mais rico, pois Capitão Fantástico é um filme sob desconstrução de conceitos e é isso que vemos aqui todo o tempo.
Depois de desenvolver sabiamente o arco de Ben no primeiro ato, pois Capitão Fantástico é antes de tudo um filme sobre paternidade e família, Ross inicia um inception de desconstruções no arco final. Utilizando-se de diálogos assertivos entre Jack e Ben, assim como as excelentes interações entre Bo (GeorgeKay) e Rellian (Nicholas Hamilton) (Aliás, os únicos com arcos definidos além de seu pai, uma pena), Ross nos mostra que independente das ideologias em que estamos inseridos, ama-las ou odiá-las depende do ponto de vista de quem conta a história. O que temos aqui não é a exaltação panfletária de um filme sob a aplicação de ideias socialistas, nem tão pouco uma crítica hipócrita ao capitalismo e a industrialização do modo de vida moderno, o que a direção nos mostra é que ambos possuem lados positivos e negativos, algo claramente evidenciado quando Ben percebe que sua insanidade em fugir de sistemas totalitários o levou a criar seu próprio sistema totalitário ao redor de seus filhos, mais ainda, com o acidente de uma das filhas ele descontrói muitos de seus conceitos, ora pois não fosse pela ciência aplicada, ainda que dentro de um sistema capitalista mercantilizado, sua filha poderia ter morrido por falta de atendimento médico. Esse choque leva Ben a despertar para uma nova fase de desconstrução, onde ele desmonta conceitos de conceitos já desmontados antes, evidenciando através da metáfora da retirada de sua densa barba, uma evolução em seu sistema de ideias, onde ele entende e aceita que extremismos nunca são boas ideias pra nenhum dos lados.
Com uma excelente direção de fotografia, Stéphane Fontaine nos imerge dentro de um mundo rico, não só de ideias, mas também de cores e vida. Seus long shots transmitem uma ideia de grandiosidade e nos ilustra o quão somos pequenos perante a magnitude do mundo ao nosso redor. Por fim, é bem difícil arranhar com um texto tão curto todo o conjunto de ideias que nos são apresentados nessa belíssima obra indie, porém é de longe, uma das melhores ‘dramédias’ que já tive o prazer de ver.