Kumiko : Critica
Desde que nasce, o ser humano se vê envolvido e um mundo de padronizações, cobranças e regras já estabelecidas pela sociedade, sendo que toda e qualquer fuga ou desvio das condutas normativistas de tal, resultam em uma cruel inaceitação do indivíduo dentro desse mundo uniformizado.
Kumiko é um filme intenso, envolvente, denso e majestoso. A ideia de trabalhar o ser humano enquanto individuo o desvinculado da máquina social é além de empolgante, genial e divertida.
Kumiko – A Caçadora de Tesouros conta a história de Kumiko (Rinko Kikuchi), uma mulher sozinha, introspectiva e sem muitas perspectivas que se vê presa dentro de um clico de rotinas intermináveis, o que torna a sua vida ainda menos interessante do que já poderia se parecer dentro de sua cabeça.
Diante de uma Tóquio menos glamorosa, sabemos mais sobre a vida da protagonista através de seu trabalho e suas andanças por pequenas vielas que nem de longe lembram a magnitude da grande Tóquio Metropolitana do cinema hollywoodiano. Com ambientes saturados e com tons discretos, acompanhamos Kumiko em sua rotina como office ladie, cumprindo trabalhos banais como levar comida pro seu chefe e buscar a roupa na lavanderia.
Assim como todos, Kumiko sofre grandes pressões da sociedade, que nela parecem surtar efeitos ainda mais devastadores em função de seu comportamento extremamente ante social e seu aparente desejo de encontrar seu caminho fora desses padrões sociais.
“Você já arrumou um namorado?”, “Foi promovida”? “Está atrasada”, Toda a luta de Kumiko para fugir de situações inter pessoais parece voltar-se contra si, uma vez que embora ela queira de toda maneira isolar-se completamente de um mundo tão desinteressante, vê-se forçada o tempo inteiro a interagir com esse mundo, em grande parte, devido às necessidades financeiras, que, num convívio social, implicam em comer, morar e vestir-se.
O mais inquietante, no entanto, se dá em função do porquê do comportamento de Kumiko, oras, livre de qualquer contato social, ela tem como melhor amigo um coelho, Bunzo. Assim como sua dona, Bunzo ignora a importância de qualquer contato com outro ser da mesma espécie, o que o levou a simplesmente permanecer inerte diante da liberdade que lhe foi promovida por sua dona, seria essa uma metáfora para a descoberta da verdadeira liberdade? Estaríamos tão perdidos com ela quanto estaríamos sem, ou simplesmente tal liberdade é tão fantasmática que mesmo quando finalmente pensamos tê-la agarrado, ela simplesmente assume a forma de tudo aquilo que não podemos ter naquele momento?
Bem, parece ser justamente isso que acontece com Kumiko quando ela resolve abandonar tudo e se entregar de vez ao seu hobbie, caçar “tesouros”. Diferente de outras pessoas, Kumiko não se entrega aos normativismos do cotidiano sem antes resistir e lutar, tendo em sua mente um mundo particular, mundo esse aparentemente formado por suas vontades, anseios e medos. Ela forma uma ideia, acha sua rota e traça seu destino, tudo isso dentro de uma perspectiva rudimentar e limitada, porém simples e poética.
Ao se entregar ao que gosta de fazer, Kumiko se vê em um estranho mundo novo. Com uma fita, do filme Fargo nas mãos, sua implacável busca pelo local da fortuna escondida no filme não se intimada facilmente diante das circunstancias complicadoras de sua caçada inexorável e destemida, aqui fica claro a mensagem que David Zellner quer passar. Nossa protagonista não possui nenhum grau de deficiência mental, longe disso, ela tem a sua própria maneira de interpretar a realidade, realidade essa que parece não despertar nenhum interesse na mesma, causando um contraponto com a perspectiva dos ditos “normais”, abluídos pelas consubstanciações de sociabilidade, ingressados em um torrente corporativista, acadêmica e emocional, onde toda e qualquer existência para se tornar válida perante a sociedade, precisa se legitimar diante do servilismo de tais qualificações.
A fotografia nos apresenta de maneira sutil ao mundo de Kumiko, ao modo que quanto mais nos aproximamos da personagem mais vemos o mundo do seu ponto de vista. A ausência constante de qualquer trilha sonora nos imerge mais ainda dentro desse mundo depressivo, solitário e sem muitas agitações. Kumiko não é apenas introspectiva, ela é também tímida e recatada, o que causa no espectador uma sensação de solidão e angústia diante da incompreensão de um mundo que não tem tempo para se importar com “anormalidades”, o que de fato chega até a ser irônico, pois Kumiko não é um filme “normal”, uma vez que se apresentado as massas, com certeza a única coisa que iria arrancar seria bocejos e críticas inabilitadas.
Por fim, com um elenco mínimo, vielas apertadas, longos planos abertos e uma excelente atuação de Rinko Kikuchi, Kumiko é um drama envolvente que nos leva para o outro lado do existencialismo humano, nos pondo sob um ponto de vista completamente atípico e ao mesmo tempo imprescindível sobre eventos e sentimentos que nos cercam o tempo inteiro, mas raramente damos atenção.
Comenta ai